terça-feira, 12 de julho de 2011

VIOLÊNCIA & MÍDIA: O discurso e seus efeitos¹

¹Este é um "compacto" do artigo originalmente feito como trabalho de conclusão da disciplina Sociologia da Violência na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

INTRODUÇÃO

Objeto de atenção de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos, a violência lhes desperta o desejo de compreender sua ampliação nos mais diversos campos da atividade humana. Dificultando sua compreensão, a violência muda de fisionomia e de escala de acordo com a maneira pela qual os mesmos fatos são apreendidos e julgados. Há, portanto, uma necessidade de definição e/ou classificação da violência.

Nem mesmo os cientistas sociais escapam de tais dificuldades e dilemas da dificuldade na definição do que é violência e de que violência se fala. Violência vem do latim violentia, que remete a vis (força, vigor, emprego de força física). Assim, esta força torna-se violência quando ultrapassa um limite ou perturba acordos e regras que ordenam relações, podendo adquirir uma carga negativa. Portanto, é a percepção do limite e da perturbação que vai caracterizar um ato como violento, percepção esta que varia cultural e historicamente.

Para Porto (2002), “a violência deve ser identificada de forma múltipla, diferenciada, e não pode ser analisada independentemente do campo social no qual se insere. Se muda a natureza do campo social, mudam igualmente as formas de manifestação da violência...” (p.170).

Em outra análise, para Yves Michaud (1989), “há violência quando, numa situação de interação um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais” (p.11).

Nesta direção, para abordarmos a discussão sobre violência simbólica, escolho por destacar o conceito de Aranha e Martins (1998), onde as autoras afirmam que “constitui violência simbólica toda manipulação ideológica que obriga a adesão sem críticas das consciências e das vontades de modo que o indivíduo acredita estar pensando de agindo por livre vontade (...) a violência existe, mas de forma disfarçada” (p.187).

A partir destas reflexões, podemos ver o discurso como fonte da violência. Desse modo, é possível verificar em que medida os registros populares se mostram eficientes para a expressão exacerbada da violência.

De modo geral, os holofotes midiáticos focam-se sobre a violência concentrada na criminalidade e seus efeitos, os quais deixam visíveis os danos materiais e físicos. De acordo com Michaud, é relevante observar que as imagens de violência, dado o grau de recorrência, contribuem para a sua banalização, tornando-a normal e integrada ao cotidiano do leitor. Assim, o fato da violência se apresentar como desvio de estados tidos como normais, garante-lhe um lugar efetivo na mídia.

Enfim, não há como negar que vivemos numa época de exaltação da violência. (Aranha e Martins, 1998).

A REVOLUÇÃO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICA E O DISCURSO DA VIOLÊNCIA NO JORNALISMO POPULAR

Pensar o conceito de meios de comunicação de massa, a partir de Porto (2002), baseia-se em propor uma relação do mesmo à luz das novas tecnologias de comunicação e de informação. Através deste processo, foram introduzidas milhões de pessoas neste ambiente transformador e inovador, provocando, por fim, uma verdadeira revolução científico-tecnológica.

Contudo, como tais transformações afetam ou se relacionam com o fenômeno da violência?

Em La violence apprivoisée, Michaud afirma que “a violência, na mídia, seja ela estilizada ou não, seja ficção ou parte dos telejornais da atualidade serve, de certa maneira, a um descarregar-se, distender-se, dar livre curso aos sentimentos através do espetáculo. As cenas de violência são um sintoma da ‘nervosidade’ da sociedade” (p.136).

Portanto, os meios de comunicação de massa se não são diretamente responsáveis pelo aumento da violência e da criminalidade, são um canal de estruturação de sociabilidades violentas. Sendo que, a observação constante da violência, banaliza o ato, e por fim, potencializa, “excita” o indivíduo à agressão. Logo, a própria violência pode ser o conteúdo e o substrato das representações sociais.

Além disso, os meios eletrônicos ao mesmo compasso em que possibilitam a velocidade da informação após o acontecimento de um determinado fato, poupam os indivíduos, intermediando alguns de seus contatos com o mundo, o que potencializa o que Porto chama de “encolhimento do mundo”. Ou seja, de certa maneira seria o mundo virtual construindo o real (p. 163). Por outro lado, esses meios também transformam o real em espetáculo. É o que ocorre com o fenômeno da violência. Isto é, o fenômeno é transformado em produto, detém um amplo poder de venda no mercado de informação, além de ser um objeto de consumo, fazendo com que a realidade da violência torna-se cotidiana mesmo daqueles que nunca a confrontaram diretamente. Assim, a violência passa a ser consumida num processo dinâmico, onde o consumo participa do seu processo de produção, ainda que como representação. Por conseqüência, os meios funcionam como um tipo de tribunal do júri, dando o tom em termos da condenação ou absolvição de um suspeito, por exemplo.

Em suma, entende-se que é possível tornar as palavras, as narrativas veiculadas pela mídia, instrumentos de ação e não apenas de comunicação.

Além disso, Michaud nos alerta que

“estudos recentes reconhecem, em laboratório, uma correlação entre observação da violência e agressão. Os estudos em meio real são menos significativos. Mas não há dúvida de que as imagens da violência contribuem de modo não desprezível para mostrá-la como mais normal, menos terrível do que ela é, em suma: banal, criando, assim, um hiato entre a experiência anestesiada e as provas da realidade, raras, mas muito fortes” (1989, p.51).

Em seguida, conclui o autor, se “a experiência contemporânea da violência passa pelas imagens, tal experiência só pode ser suavizada e banalizada” (1989, p.51).

Embora a sociedade brasileira tem-se revelado mais exigente e pronta a reivindicar o fim da impunidade e a vigência de padrões mais solidários de relações e interações sociais, em sentindo contrário às reiteradas manifestações de violência, observa-se uma crescente mobilização da sociedade civil em prol da não-violência.

Por fim, nessas sociedades, a comunicação e a informação estão organizadas empresarialmente, com as conseqüências daí decorrentes, em termos de mercado. Neste sentido, como toda mercadoria que vende bem, a violência torna-se uma moeda com alto poder de troca (PORTO, p. 163).


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de Filosofia. São Paulo: Ed. Moderna, 1998.

DIAS, Ana Rosa Ferreira. O Discurso da Violência – as marcas na oralidade no jornalismo popular. São Paulo: USP (Tese de Doutorado), 2003.

MICHAUD, Yves. A violência. São Paulo: Ed. Ática, 1989.

PORTO, Maria Stela Grossi. Violência e meios de comunicação de massa na sociedade contemporânea. Porto Alegre, 2002.

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